Ronaldinho Gaúcho e o poker

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Para começar, quando se fala em poker, muita gente pensa naquele caminhão de dinheiro em cima da mesa e que o jogo tem por maior característica o vai-e-vem de valores astronômicos que trocam de mãos na mesma velocidade em que as cartas são distribuídas.

Essa visão está muito distante da realidade e, se compararmos (chega até ser absurdo fazer tal correlação), o futebol movimenta muito mais dinheiro no Brasil do que o poker (o esporte dos gramados movimento R$ 1,9 bilhões em 2009 e R$ 2,1 bilhões em 2010), o que não, ou não deveria ser, novidade para ninguém.

Muitos podem dizer que, apesar da disparidade de valores, no poker o dinheiro é um instrumento indispensável, está presente na dinâmica do jogo, quer seja no pagamento dos buyins para torneios ou no valor das fichas utilizadas em cash games. Por outro lado, não é um fator determinante para o desenrolar das jogadas considerando tantos outros fatores envolvidos nas decisões tomadas e nas ações vistas nas mesas.

O mesmo ocorre no futebol. É fato que o dinheiro possui grande relevância mas nem sempre a capacidade financeira dos clubes é o que define do destino de jogadores e o sucesso de negociações. Isso porque, alguns "moves" do mercado da bola podem sim ser comparados ao poker e ilustrar o que se faz nas mesas com exemplos reais, cotidianos e comuns ao universo dos clubes e seus cartolas.

Ainda que os valores envolvidos sejam muito distintos e que o papel do dinheiro seja muito mais predominante no futebol do que no poker (ainda mais quando falamos de Brasil), não há como negar que as duas atividades se parecem muito quando comparamos as decisões e ações dos jogadores nas mesas e aquelas envolvidas nas negociações do mundo bilionário da bola.

Para ilustrar a ideia, vejamos as comparações entre o mercado do futebol e o poker no caso das negociações envolvendo Ronaldinho Gaúcho:

Mercado do futebol:

O caso Ronaldinho começou em julho de 2021 quando foi anunciado interesse de um grupo ligado ao empresário Roberto Tadeu pelo jogador, mas o Milan não cedeu ao manifestar o interesse em manter o atleta na Itália.

Poker:

Nesse caso, não foi jogada a mão. Digamos que o grupo do empresário sentou na mesa para disputar um heads-up com a Diretoria do Milan, mas os italianos ficaram "sit out" frustrando qualquer possibilidade de ação.

Mercado do futebol:

Tempos depois, já em Dezembro de 2010, o Palmeiras demonstrava publicamente o interesse pelo jogador e no dia 18 do mesmo mês o Grêmio também entrou na briga pela contratação de Ronaldinho, demonstrando otimismo e confiança, seguido do Flamengo que também manifestou interesse na negociação, de forma ainda tímida e cautelosa.

Poker:

Pode-se dizer que a mesa estava formada, o Palmeiras saiu atirando um raise padrão do utg e o Grêmio, mesmo antes do flop, anunciou um aumento na aposta da do mp1 por se tratar do time de coração do meia e considerar tal fato um diferencial para sua mão. Em seguida o Flamengo, próximo jogador a agir, sem fazer muito barulho, anunciou o call do dealer.

Mercado do futebol:

Nesse cenário, o Milan, depois de anunciar no dia 28 de Dezembro que não liberaria o jogador até o final do seu contrato (junho de 2011) acabou por ceder e anunciar a liberação do meia no dia 1º de janeiro de 2022 quando o jogador deixou os trabalhos da inter-temporada do clube milanês realizada em Dubai. Logo em seguida, Andrés Sanchez, presidente do Corinthians, manifestou-se a respeito da transação envolvendo o jogador, sem apresentar qualquer proposta concreta ou até mesmo confirmar o interesse mas deixou o mercado na dúvida.

Poker:

Com a ação preflop trazendo o raise padrão do utg (Palmeiras), o reraise do mp1 (Grêmio), flat call do dealer (Flamengo) e call do Milan (small blind), apareceu o Corinthians (big blind) que, depois de pedir contagem dos stacks dos envolvidos, ameaçar empurrar todas as fichas para o meio da mesa, causando certo desconforto entre os oponentes, resolveu foldar a mão e ação voltou para o Palmeiras (utg) que também deu call. Agora, estavam Palmeiras (utg), Grêmio (mp1), Flamengo (dealer) e Milan (sb) na mão. Jogo para quatro!

Mercado do futebol:

No dia 02 de janeiro, com a situação do atleta ainda indefinida, o Palmeiras se mostrava otimista, assim como o Grêmio, e pouco se falava do Flamengo embora muitos especulassem que o destino de Ronaldinho poderia ser a Gávea. Isso porque o jogador, esperado em São Paulo, desembarcou no Rio de Janeiro. O Palmeiras, não satisfeito, conseguiu que um emissário do clube participasse de uma reunião com Assis (empresário do atleta) e ainda mantinha esperanças.

Três dias depois, em 05 de janeiro, a diretoria do Grêmio, contrariando todas as expectativas do mercado, já dava o caso por encerrado e preparava a festa para a recepção do craque no Olímpico, como comprovaram as caixas de som instaladas no estádio dois dias depois, em 07 de janeiro.

O Flamengo, encarou a situação com "questão de honra" e se mexeu para fechar com o jogador o quanto antes e encerrar qualquer dúvida que ainda existisse sobre o destino de Ronaldinho.

Finalmente, hoje (08/01) o Milan, por meio de Adriano Galliani, se declarou como fechado com o Flamengo e garantindo 99,9% de possibilidade do clube carioca ficar com o craque.

Poker:

Após o flop, o Milan, como era de se esperar, pediu mesa no small blind e o Palmeiras, sentindo-se bem no utg, disparou uma aposta pequena, que foi aumentada pelo Grêmio (mp1) no meio da mesa. O Flamengo, gostando ainda mais do flop, reaumentou no dealer para um valor que colocaria tanto Palmeiras quanto Grêmio em allin. O Milan (big stack) pagou a aposta e, depois de muito reclamar, praguejar e a contragosto, tanto Palmeiras quanto Grêmio foldaram suas mãos. Quando o dealer virou o turn, o Milan pediu mesa novamente e o Flamengo decidiu colocar todas as suas fichas no pano.

A ação ainda está com o Milan, mas tudo indica que o clube italiano irá foldar a mão, deixando o pote monstruoso para o rubro-negro.

A mão não terminou, mas o Milan que já está no fim do seu "time bank" poderá anunciar o fold a qualquer momento e finalmente o resultado desse embate será conhecido, mesmo que muitos já considerem a mão encerrada por todos os tells que se apresentaram (em especial a declaração da diretoria do clube italiano).

A simples comparação que fizemos, embora envolvendo um assunto complexo e cheio de incertezas e possibilidades, como é o caso de uma negociação envolvendo um astro do futebol, mostra como é possível transportar conceitos aplicados ao poker para outras atividades e, assim como no feltro, a habilidade é um fator essencial para o sucesso em negociações de todas as espécies.

É interessante lembrar, que assim como no poker, os negócios fechados no mundo do futebol, nem sempre vão até o showdown e, muitas vezes, apenas o vencedor da mão (negociação) é o único que mostra suas cartas quando a ação chega ao fim e os termos do contrato firmado são divulgados pela imprensa especializada.

Aguardaremos o final da história mas com o palpite de que Ronaldinho é tão do Flamengo quanto Viktor Blom é o Isildur1.